O colapso dos argumentos da defesa. Aceitação unânime da denúncia da PGR contra Núcleo 1 por tentativa de golpe de Estado era inevitável?
Na avaliação, o relator o ministro Alexandre de Moraes firmou que a denúncia demonstra que houve uma ação coordenada para praticar crimes contra as instituições democráticas e romper a normalidade do processo sucessório da Presidência da República. Todos os demais ministros da 1ª Turma seguiram o relator. Por unanimidade todos os indiciados tornaram-se réus. Quais motivos garantiram essa unanimidade?
Esse cenário poderia ter sido diferente? Para responder essa questão primeiro vamos ver casos semelhantes a esse, um passo-a-passo típico da juris / prudência.
Que tal voltar ao passado até o regime da Ditadura Militar?
O Diário do Congresso Nacional (DCN) de 9.8.1981 publicou um discurso:
- “Estamos aqui, para não só protestar, mas para avisar os representantes do povo e desta Nação… João Batista Figueiredo que aí está com esta tal de mão estendida… está mandando tropas para matar posseiros, matar o povo, expulsar o povo das terras públicas e entregá-los aos ladrões de terras públicas. A responsabilidade direta é do Presidente da República.
- Não adianta os desmentidos do ministro Delio Jardim de Mattos, porque as tropas foram deslocadas para lá. …está deslocando para massacrar posseiros e estamos sendo informados de que há determinação no sentido de prender padres e bispos, de massacrar e assassinar os verdadeiros brasileiros que lá estão trabalhando para o futuro deste País”.
Esse discurso foi proferido pelo deputado federal do Maranhão, engenheiro civil Domingos de Freitas Diniz Neto.
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Domingos de Freitas Diniz Neto, aos 88 anos |
Na época a PGR sob a gestão de Inocêncio Mártires Coelho apresentou denúncia - em razão do inconformismo político-social, atribuindo, de público, ao Presidente da República, citado nominalmente (vixe), e a um Ministro de Estado fatos caluniosos - contra o Deputado. (grifei para destacar)
Essa denúncia (AP 276 -DF) relatada pelo Ministro Moreira Alves foi aceita por unanimidade em 05/05/1982 pelo plenário do STF.
Qual o motivo unânime da aceitação? O Plenário do STF concluiu que a denúncia preenchia todos os requisitos exigidos pelo art. 41 do vigente Código de Processo Penal.
Lembre-se que essa época - em 1982 - estávamos ainda sob a vigência da Constituição de 1967 e no último governo da Ditadura Militar ocorrida após o golpe militar de 1964.
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João Batista Figueiredo |
De 1982 até 2025 lá se vão 43 anos. Pelo visto pouca coisa mudou!
Lembrei disso porque acho que todos aqueles que assistiram a 1ª Turma do STF aceitar a denúncia da PGR contra Núcleo 1 por tentativa de golpe de Estado, continuam refletindo no mesmo “levante” que eu: A unanimidade poderia ter sido evitada?
Nesse dia a 1ª Turma do STF decidiu que a denúncia comprovava a materialidade de crimes e indícios de autoria e em consequência todos os denunciados passarão a ser réus numa ação penal.
Alguém, no universo jurídica deve ter se questionado assim como eu:
- O que aconteceu com bons argumentos dos advogados de defesa dos réus?
- Ainda que desfilando toda sorte de bons argumentos, nenhum teve vestígios certos para blindar seu cliente na denúncia?
- O que acontece?
Simples! O volume dos fatos devido a enorme importância que recebe em todos os canais da mídia desvia os juristas da discussão e aplicação da lei natural na esfera penal: o dogma causal. Pois de outra forma não se encontraria “zona sensível ao impacto das réplicas” nas defesas dos indiciados.
A aplicação dessa lei natural, menosprezada por todos aqueles advogados de defesa dos denunciados é de tamanha importância que se coloca até mesmo antes da tipicidade, já que tem o intuito de desvalorizar o resultado (essencial para causalidade) enquanto influencia o pensamento causalistico desde o século passado. Isso materializa sua importância no mundo jurídico.
Vou lhes provar, embora minha seara não seja direito penal.
No sec. XIX, a era das invenções e descobertas quando o mundo estava fascinado pela lógica e exatidão das “ciências por excelência”, o método cientifico indutivo-experimental passou a ser aplicado nas ciências conhecidas como de “espírito”, aqui estão o direito, a sociologia e a psicologia.
Nessa seara teorias se desenvolveram a fim de analisar objetivamente a relação entre a conduta humana e o resultado típico provocado por essa, sob uma ótica de causa e efeito.
Aqui surgiu o utilitarismo, a teoria ética proposta Jeremy Bentham defensor do liberalismo político e do socialismo liberal inspirando as liberdades individuais como conhecemos hoje.
Assim o utilitarismo que fundamentou nossa lei penal concebida nos termos do art.13 do nosso Código Penal pertence as teorias meta éticas consequencialistas onde se afirma que uma ação é correta ou incorreta baseada em sua tendência a maximizar ou minimizar "utilidade". Ponto
Com isso, na doutrina do Código penal brasileiro, para se verificar a relação de causalidade entre a conduta de um agente e um resultado ilícito, foram criadas perspectivas teóricas alternativas.
E uma delas é conhecida pela expressão latina conditio sine qua non, que provém da noção de causa do filósofo utilitarista John Stuart Mill da qual a causa do evento/resultado sempre se deve a todos antecedentes fáticos ou condicionantes.
O que vimos nos argumentos das defesas foi um perfilhamento das já combalidas “acusações midiáticas” cujas provas contundentes, sem hesitação, recheiam os autos da denúncia.
Nenhuma defesa empenhou-se na resposta de afastar a imputação que foi feita ao seu cliente com a regularidade penal brilhantemente explorada pelo Procurador-Geral da República Paulo Gonet. Aplausos para ele.
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Paulo Gonet - Procurador-geral da República |
E uma vez que a existência, ou não, do elemento subjetivo seria apurada na futura ação penal, sabemos que a posição da causalidade na estrutura do delito não é uma discussão pacificada na doutrina do direito brasileiro já que uns acreditam:
- Que é um elemento da ação (Cesar Bitencourt)
- Enquanto outros como um nexo causal entre ação e resultado, (jurista Aníbal Bruno)
- Temos ainda juristas que entendem como um elemento do fato típico (Damásio de Jesus)
Exatamente aqui, insisto, em processo de denúncia com essas singularidades reside o fato de que nenhum dos advogados de defesa dos indiciados apelou para ótica causa e efeito espancando em consequência o preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 41 do Código de Processo Penal (CPP).
Todos limitaram-se a rebater exaustivamente os “fatos midiáticos”, ainda que o ministro Flávio Dino tenha advertido sabiamente:
- “nós não julgamos pessoas, nós julgamos fatos e provas”. Flávio Dino foi cirúrgico!
Não deu outra, todos os indiciados se tornaram réus.
Ah só pra finalizar, o deputado Domingos de Freitas Diniz Neto, réu por unanimidade na denúncia da PGR de 1982, faleceu aos 88 anos em março de 2021, vítima de COVID-19, sem condenação.
Quanto a nós seguiremos em frente, aguardando ansiosos os próximos rounds desse portentoso processo.
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